quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A volta ao mundo por Fernando Meirelles



360, escrito por Peter Morgan e dirigido por Fernando Meirelles, é mais do que uma colcha de retalhos desconexos, é uma corrente com elos bem conectados, mas não necessariamente fortes

O filme começa com duas perguntas que sempre ocorrem a todas as pessoas: como cheguei até aqui? Teria minha vida sido diferente se eu, ou qualquer uma das pessoas a minha volta, tivesse feito outras escolhas? Quem se pergunta isso é Mirka (Lucia Siposová), uma jovem eslovaca que acaba de se tornar uma garota de programa de luxo, adotando o nome de Blanka. Saindo de Bratislava para encontrar seus clientes em Viena, ela vai sempre acompanhada pela irmã, a meiga Anna (Gabriela Marcinkova).

Blanka vai até o bar de um luxuoso hotel para se encontrar com seu primeiro cliente, Michael Daly (Jude Law). Interceptado por dois homens com quem negociava um acordo para sua empresa, Michael não consegue se encontrar com ela. A partir desse desencontro, surge uma série de ações e reações que movem a vida dos diversos personagens do filme, cada situação ligando-se à seguinte como os elos de uma corrente. 
Jude Law como Michael Daly e Rachel Weisz como sua esposa, Rose  

 Vidas interligadas.

Consegui contar pelo menos oito relacionamentos-chave, oito núcleos em torno dos quais a história se desenvolve. Isso que 360 tem pouco mais de uma hora e meia de duração. Trabalhar com uma quantidade tão grande de personagens e histórias em tão pouco tempo não é tarefa fácil. Meirelles consegue, com sua direção delicada, mas decidida, captar as nuances e as fragilidades desses personagens que passam tão rapidamente pela tela. 

Com a escassez de tempo, os personagens passam a ser resumidos simplesmente ao trauma psicológico ou à experiência mais marcante de suas vidas. O espectador mal o vê na tela e já é apresentado à encruzilhada diante da qual o personagem se encontra. Não há tempo a perder. O problema é apresentado e uma decisão é tomada. Trata-se de um estilo, não necessariamente de um problema, apesar de que algumas histórias geram mais apreensão e envolvimento do que outras. 

360 é um recorte da vida de várias pessoas comuns, e nesse ponto Meirelles é até bastante otimista. A sugestão de que nossa vida depende mais das escolhas e das atitudes de quem está à nossa volta do que gostamos de imaginar é assustadora. Com todo nosso desejo de controlar nosso destino, nos esquecemos o quanto dependemos dos outros, e o quanto os outros dependem de nós. Ainda assim, nem roteirista nem diretor utilizam essa premissa para assustar a audiência (pelo menos não muito). Como eu disse, o filme é até bastante otimista. 


Antonhy Hopkins como John.
 Um filme de muitos sotaques.

Para rodar 360, Fernando Meireles reuniu um elenco multinacional, que inclui desde os britânicos Jude Law e Rachel Weisz, até a eslovaca Lucia Siposová, passando pelos russos Vladimir Vdovichenkov e Dinara Drukarova, pela brasileira Maria Flor e pelo francês Jamel Debbouze, entre outros. É interessante reparar que cada ator interpreta um personagem de sua própria nacionalidade, e quando as conversas convergem ao inglês, a variedade de sotaques enche os ouvidos do espectador. 

No filme de Meireles se ouve eslovaco, português brasileiro, russo, francês, e o idioma que une os personagens, o inglês. O fator idioma, juntamente com as locações em diversas partes do mundo (Viena, Londres, Paris, etc), contribui para aumentar a sensação de encolhimento do mundo que o longa transmite.

domingo, 19 de agosto de 2012

Novela não é Escola


Eu não assisto à novela alguma. O máximo que já acompanhei foi um pouco de Chocolate com Pimenta, Tititi e Roque Santeiro, que passava no “Vale a pena Ver de novo” quando eu tinha onze anos.  A única novela “das nove” que vi um pouco mais do que meio capítulo foi O Clone. Mas as novelas, principalmente as do horário nobre da Rede Globo, sempre encontram um meio de entrar nas nossas vidas.

Nunca assisti a um capítulo sequer de Avenida Brasil, a novela que está no ar, mas sei que a música de abertura é a versão do Latino para “Dança Kuduro”, sei quem é Carminha, Nina, Suelen e companhia. Praticamente toda a minha timeline do twitter acompanha a novela e acaba repassando o que vê. Vejo comentários no facebook e escuto as pessoas à minha volta. Essa inserção da novela no cotidiano é uma realidade que nós brasileiros vivemos há décadas. A força da novela é tanta que, em plena era da TV a cabo e da internet, Avenida Brasil está atingindo picos de audiência de 45 pontos na grande São Paulo. 

Discutir as causas de tamanho sucesso, contudo, não é o objetivo deste texto. Meu comentário aqui se relaciona a um tema que vem me perturbando há algum tempo: como a novela virou uma espécie de escola para o povo brasileiro.

Muitas das novelas da Rede Globo, especialmente as de horário nobre, adotam alguma abordagem social, uma bandeira que defendem, como a leucemia de Camila (Carolina Dieckman) em Laços de Família, que foi utilizada para uma campanha de doação de medula óssea, a viciada Mel (Débora Falabela), que foi o exemplo da campanha antidrogas de O Clone, e o caso de Tarso (Bruno Gagliasso) em Caminho das Índias, personagem que ilustrava uma campanha de conscientização sobre a esquizofrenia. Isso só para citar alguns dos casos que ficaram mais marcados. Essas campanhas são um exemplo de serviço de utilidade pública que a novela pode exercer para o bem da sociedade. Esses “personagens-exemplo” muitas vezes ajudam a alertar às pessoas para problemas para os quais muitos viram às costas. Utilizar-se de alguns exemplos para o bem comum, contudo, é diferente de confundir o papel da novela. Novela não serve para educar, serve para entreter.

De novo: nunca assisti Avenida Brasil, mas vi comentários indignados sobre uma cena em que Suelen (Ísis Valverde) seduz o marido Roni (Daniel Rocha), um rapaz que esconde sua homossexualidade. A cena gerou repercussão, principalmente, por implicar que a homossexualidade pode ser curada, ou que a causa da homossexualidade seria a falta de uma boa mulher. É claro que isso é um absurdo. Um homem é homossexual porque é homossexual, ponto. E Suelen fez o que fez porque é uma personagem. Sim, é horrível saber que existem pessoas como Suelen. Ou o que é pior, que existam homens como Suelen, que acreditam que as mulheres homossexuais são assim por falta de um bom homem. Poucas idéias são mais repudiáveis do que esta. Não estou defendendo aqui a atitude, mas a liberdade de mostrá-la na televisão.

Em Avenida Brasil, Suelen faz de tudo para seduzir o homossexual Roni
A novela é uma obra de ficção, que contém um enredo e personagens, e personagens tem defeitos, muito mais do que tem qualidades. É dever do espectador diferenciar as coisas, não se deixar influenciar pelo que vê. Muitos brasileiros são influenciados pelas novelas ao ponto de se deixarem “educar” por elas, mas seria isso culpa da novela, ou da estrutura educacional do país?

O Brasil ainda tem muito que avançar em relação ao respeito aos homossexuais, e a novela poderia ajudar com isso, como já ajudou em outros assuntos. Não é, contudo, dever da novela fazer isso. Se nosso sistema educacional fosse um pouco melhor, as pessoas entenderiam que a novela é uma obra de ficção, como um livro ou filme (e muitas vezes vemos atitudes muito piores do que as de Suelen em livros e filmes), assistiriam ao enredo e saberiam filtrar o que é bom e o que não é.

Observando pela ótica da responsabilidade social que a novela adquiriu por sua influência na vida dos brasileiros, seria de se esperar que seus roteiristas fizessem escolhas mais positivas para seus enredos, mas aí também teríamos que parar com as maldades de Carminha e com a vingança de Nina, e assim a novela talvez se tornasse uma festa de unicórnios em um arco-íris cor-de-rosa. E nenhuma obra de ficção – bem como o mundo – é assim. 

Outro exemplo é a cena que foi ao ar recentemente em Gabriela, em que Jesuíno (José Wilker) mata a esposa e o amante ao flagrá-los juntos. Houve protestos indignados contra a Globo por mostrar uma cena tão contrária aos direitos das mulheres. O que deveria indignar as pessoas é o ato do personagem, não o fato de ele estar na tela da TV.

Em Gabriela, Jesuíno assassina a mulher por encontrá-la com o amante.
No meu Brasil perfeito, todas as pessoas que assistissem a essas cenas se indignariam com a atitude desses personagens e os repudiariam, sabendo que o que vêem é uma obra de ficção, não um exemplo a ser seguido. Isso é um futuro que eu sei que chegará, mas que já deveríamos estar construindo, ao invés de perder tempo acusando autores de ficção disso ou daquilo.

Enquanto continuarmos a assistir – e a aplaudir – a seriados e filmes violentíssimos e politicamente incorretos na TV a cabo, sem, contudo, tolerar a mesma liberdade criativa na TV aberta, seremos eternos hipócritas. Bem como ao continuar a confiar o papel da educação e da formação de opinião - aspectos que devem ser formados por escolas, famílias e livros - quase que exclusivamente às novelas.  Novela não é escola, novela é ficção. E é uma pena que nem todo mundo saiba distinguir isso. 

sábado, 18 de agosto de 2012

Já começou em Brasília o Festival Varilux de Cinema Francês

Seguindo o sucesso da edição do ano passado, o Festival Varilux de Cinema Francês ampliou seu alcance, e agora chega à 32 cidades brasileiras. Com as datas oficiais de 15 a 23 de agosto, o festival começou em Brasília ontem, dia 17.

Dividindo-se entre salas do Cine Cultura Liberty Mall e do Espaço Itaú de Cinema, o festival traz uma grande variedade de filmes da recente cinematografia francesa, inéditos no Brasil. O grande destaque da programação é o premiado Intocáveis, que já se tornou o filme nacional mais visto da história da França. A história de amizade entre o milionário tetraplégico Philippe (François Cluzet) e seu auxiliar Driss (Omar Sy) rendeu ao ator Omar Sy o César, prêmio mais importante do cinema francês. 

A programação completa do Festival Varilux pode ser encontrada no site oficial do evento. 

Intocáveis: o filme francês mais visto da história chega à Brasília nas telas do Festival Varilux





quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Para Roma com Amor


O Woody Allen safra 2012

Woody Allen é um dos cineastas mais prolíficos da atualidade. A impressionante marca de um filme lançado por ano, contudo, traz consigo o ônus da irregularidade. Se para um cineasta comum, com um lançamento a cada dois ou três anos, já é difícil manter um padrão de bons filmes, com um longa a cada doze meses o risco de cair na mediocridade é muito maior.  

Longe de mim acusar os filmes de Woody Allen de ruins. Quando digo mediocridade, me refiro a uma qualidade mediana, a filmes simpáticos e divertidos, mas que não necessariamente arrebatem a platéia. É exatamente esse o caso de Para Roma com Amor. O “Woody Allen safra 2012” é leve e divertido, mas não tem o mesmo encanto de Meia Noite em Paris, o lançamento do ano passado.

Para Roma com Amor conta quatro histórias simultâneas, que variam de “muito improváveis” a “surreais” e “sobrenaturais”, mas cujo único ponto efetivamente em comum é se passarem na romântica capital italiana. Após a abertura, em que um guarda de trânsito comenta como é capaz de observar as idas e vindas dos habitantes da cidade de cima de seu pequeno pedestal, os personagens começam a serem apresentados ao público.

Quatro linhas narrativas, nenhuma correlação.

 Hayley (Alison Pill), uma americana em visita à cidade, conhece Michelangelo (Flavio Parenti), um charmoso italiano por quem se apaixona. Por ocasião de seu noivado, seus pais, Jerry (Woody Allen) e Phyllis (Judi Daves), viajam a Roma. Jerry, no melhor estilo neurótico Woody-Allenístico, descobre logo de inicio que o futuro genro, um advogado trabalhista e entusiasta da organização sindical, tem idéias totalmente opostas às suas. A maior surpresa, porém, surge do pai do rapaz, Giancarlo (Fabio Armiliato). E nesse ponto o talento de Woody Allen de fazer comédia com o absurdo entra em ação.

Woody Allen volta a atuar em um filme seu. 

Em outra história, um cidadão de classe média comum, com um emprego entediante em que é constantemente ignorado, se torna uma celebridade justamente por ser quem é. Da noite para o dia, todos querem saber o que Leopoldo (Roberto Benigni) comeu no café-da-manhã, se ele acha que vai chover e como ele faz a barba. A princípio assustado, ele logo passa a aproveitar a fama, ganhando convites para o tapete vermelho de prémières de grandes filmes, saindo com modelos e recebendo uma atenção que nunca antes recebera.  Ninguém, nem mesmo Leopoldo, sabe por quê ele é famoso, mas todos o adoram. Não se pode esquecer, contudo, que a fama que chega subitamente também se vai subitamente...

Um casal recém-casado, Milly (Alessandra Mastronardi) e Antonio (Alessandro Tiberi), chega à Roma para começar uma vida nova. Antonio tem a possibilidade de conseguir um bom emprego por meio de seus tios, senhores e senhoras de mais idade bem sucedidos na sociedade romana. Suas esperanças se vêem diminuídas quando sua esposa desaparece e a prostituta Anna (Penélope Cruz) entra por engano em sua vida.

Por último, um toque sobrenatural na história. John (Alec Baldwin), um arquiteto em visita a Roma, vai até a rua em que costumava morar em seu tempo de estudante. Lá, ele conhece Jack (Jesse Eisenberg), um empolgado estudante de arquitetura, e a conexão entre os dois é instantânea. Ao entrar na vida de Jack, John se torna uma espécie de conselheiro, sempre por perto nas mais diversas e inesperadas situações. No final, fica aquela dúvidazinha, aquele gostinho no fundo da garganta de “o que foi que aconteceu mesmo?”. Típico Woody Allen.

Penélope Cruz em cena ao lado de Alessandro Tiberi.
Bom sem chegar a excepcional. 

Para Roma com Amor no final das contas é isso: típico de Woody Allen. Apesar dos personagens divertidos, faltou um pouco de impacto para tornar o filme excepcional. Grandes atores, como Alec Baldwin e a própria Penélope Cruz, não atingem seus máximos no filme. Em um papel bastante cômico, mas sem brilho, Cruz não chega nem aos pés do excelente trabalho que realizou em Vicky Christina Barcelona. E a culpa disso é mais da construção da personagem do que de sua atuação. E o mesmo acontece a Baldwin.

Em compensação, Ellen Page no papel da avoada atriz Monica, e Roberto Benigni como o perdido Leopoldo estão fantásticos. E o próprio Woody Allen arranca várias risadas com seu já bem conhecido personagem neurótico. 


Ficha Técnica

Título: Para Roma com Amor (To Rome with Love)

Direção: Woody Allen 

Roteiro: Woody Allen

Ano: 2012

Elenco: Woody Allen, Penélope Cruz, Alec Baldwin, Jesse Eisenbrg, Ellen Page.