quinta-feira, 31 de maio de 2012

24/05, Noite de Première.


O que define o certo e o errado? Qual é a linha que separa uma pessoa normal, com seus defeitos e qualidades, de um babaca completo sem a menor consideração? Esses são alguns dos questionamentos que propõe o filme da diretora Catherine Corsini, Trois Monde (Três Mundos, em tradução livre), cuja estréia assisti na mostra Um Certo Olhar.

Um grupo de jovens adultos, bem vestidos, mas visivelmente embriagados, faz brincadeiras perigosas com seus carros em um estacionamento vazio. A inconseqüência de seus atos imediatamente instiga a aversão do público. Em seu apartamento, Juliette (Clotilde Hesme) conversa com o namorado, Frédéric (Laurent Capelluto). Ao aproximar-se da janela, ela testemunha um atropelamento: o carro dos três jovens, dirigido por Al (Raphaël Personnaz), se choca com um homem. Os responsáveis fogem e Juliette presta socorro.

Al trabalha em uma concessionária de carros e está noivo da filha de seu chefe, Marion (Adèle Haenel). Bem apessoado e dedicado, é um rapaz que trabalhou toda a sua vida para se tornar rico e importante. As negociações que faz com seus clientes não são muito esclarecidas, mas a forma como ele entrega os carros e recebe o pagamento dá a entender que são negócios escusos. Depois do atropelamento, sua autoconfiança é abalada. Ele se divide entre a culpa e a pressão por manter o estilo de vida que conquistou.

Os personagens Juliette (Clotilde Hesme) e Al (Raphaël Personnaz) em cena de Tois Monde.

A preocupação de Juliette com a vítima e com sua família, bem como sua indignação pela atitude do motorista que fugiu, faz com que ela se envolva em uma situação muito mais complexa e emocionalmente estressante do que ela poderia imaginar a princípio. A esposa da vítima, Vera (Arta Dobroshi), se apega à sua compaixão, e passa a demandar cada vez mais a sua presença. É quando Juliette reconhece Al, porém, que ela se torna definitivamente o ponto de intersecção entre vítima e culpado.

Inicia-se uma interconexão entre duas realidades completamente distintas, tendo Juliette como ponto em comum. De um lado, Al: francês, com dinheiro, buscando deixar sua mãe - uma faxineira aposentada - orgulhosa, mas trabalhando em negócios escusos. Do outro, Vera: imigrante ilegal, sem dinheiro, com sonhos de uma vida melhor e sofrendo pelo marido.

O filme apresenta o relacionamento desses três personagens chave, os três mundos do título, como um relacionamento real entre pessoas normais, cujas vidas se tornaram ligadas por uma tragédia. Os questionamentos morais são vários. Até que ponto Al é uma boa pessoa que cometeu um erro, e até que ponto é um babaca influenciável? Sua tentativa de “indenizar” a viúva de sua vítima, bem como a solidariedade de Juliette, são realmente atos de auto-expiação, ou se tratam de narcisismo? Trata-se de obter o perdão do próximo, ou o próprio perdão?

O roteiro é muito bem conduzido pela diretora, mas a carga dramática não deixa em aberto muitas opções para a conclusão. Trois Monde é um filme demasiado próximo da realidade das paixões e dos defeitos humanos, e é isso que o torna tão interessante. 

terça-feira, 29 de maio de 2012

O que eu vi – e vivi – no 65° Festival de Cinema de Cannes.

Antes de começar a falar sobre os filmes, um pouquinho de experiência pessoal...


Chegando lá.

Eu não esperava ir a Cannes. Queria, e muito, mas não esperava que acontecesse tão cedo. Quando a minha amiga Malu Sá disse que era possível se inscrever, resolvi que valia mais do que a pena tentar. Como estou morando em Sevilla, Espanha, desde fevereiro, ir visitar a Riviera Francesa em maio não parecia um sonho assim muito impossível de se realizar. Olhei o regulamento no site, juntei os documentos e enviei, ainda assim sem muita esperança de que fosse dar certo. Quem não arrisca não petisca, esse é a grande verdade brasileira da vida.

A confirmação de que eu receberia uma credencial chegou, e com isso o que era apenas uma vaga esperança se transformou em muita empolgação e preparativos: passagens, hotel, roupas... A data escolhida foi de 24 a 27 de maio, os últimos quatro dias, já que por motivos de compromisso com a universidade seria impraticável participar das duas semanas inteiras de festival.

Sem saber exatamente o que conseguiria ver, mas disposta a aproveitar ao máximo todas as oportunidades, parti. Com a companhia da Malu, sem a qual nada disso teria sido possível, cheguei a uma cidade pequena, mas que fica gigante aos olhos do mundo quando os holofotes do festival se acendem. A cidade fica cheia de cineastas, atores, jornalistas, fotógrafos, cinéfilos e turistas, famosos e anônimos.

De fila em fila.

Primeira etapa: credenciamento. Depois de perguntar a algumas pessoas, procurar aqui e ali, encontrei o local certo e peguei minha credencial. No horário que eu fui não tinha fila, ainda bem. O problema foi demorar a entender o funcionamento do festival, saber em quais projeções a prioridade era de quem tinha convite, e em quais a prioridade era de quem, como eu, tinha crachá. Isso foi algo que descobri ao longo dos dias.

Com ou sem prioridade, a primeira certeza do festival é: você vai enfrentar filas. Filas que, dependendo do teatro e do filme, são de mais de uma hora, no sol. A não ser que você seja alguém muito importante, é claro. E é preciso ter cuidado, porque as filas são largas e tem gente que vai se encostando e fura mesmo. Os teatros são grandes, e a visão da tela é boa praticamente de qualquer lugar, mas ainda assim não é legal ver alguém querendo dar uma de malandro e passando na sua frente.

O Festival tem muitas mostras, exibidas em diferentes salas. Há a competição oficial, a seleção fora de competição, a mostra um certo olhar, a competição de curtas-metragem... o que nos leva à segunda certeza do festival: não se pode ver tudo. Ter um bom conhecimento da programação e habilidade seletiva é essencial.

Uma pessoa que me ajudou a entender um pouco do complexo funcionamento de um festival tão grande foi o Paulo, o segurança português que conheci graças ao meu sobrenome brasileiríssimo escrito em letras garrafais no crachá. Encontrar pessoas de diversos lugares e conversar, estabelecer contatos, esse era um dos meus objetivos em Cannes. Paulo foi apenas o primeiro de alguns felizes encontros casuais. Não posso dizer que conheci alguém muito importante, algum figurão de Hollywood, mas conheci pessoas como eu: que amam cinema e que de alguma forma vivem dele. Pessoas normais, simpáticas, sonhadoras, de bom papo.

Na hora de conversar vale tudo: inglês, espanhol, um francês bem básico pronunciado com a maior incerteza do planeta, mímica... e volta e meia português. “Sou brasileira” é uma frase que tem um efeito quase mágico nas pessoas, quase um Abracadabra que abre caminho para um sorrisão e muita simpatia. E é nessa hora que muita gente quer mostrar que sabe um pouco de português, seja com um “obrigado” ou um “bom dia”, seja cantarolando “ai se eu te pego”, que (ainda) é sensação por aqui.


 :D

A magia do Festival.

Cannes atrai muita gente. Há quem vá apenas para fazer turismo, “pegar” uma praia e tentar ver os artistas famosos desfilarem pelo tapete vermelho. Há que vá vender seus filmes, fazer negócios. A maioria, contudo, vai ao cinema. É interessante pensar o que leva alguém a se deslocar a uma cidade, muitas vezes vindo de outro país, simplesmente para assistir a filmes. Sim, são estréias de filmes, muitos deles premiados pelo próprio festival ou futuramente premiados em festivais subseqüentes, mas são filmes que serão lançados nos cinemas, ou pelo menos a maioria será. Então, de onde surge essa necessidade de ver primeiro? Ou melhor, de ver primeiro em Cannes?

Cannes tem um glamour e um charme aos quais pouquíssimas outras celebrações do cinema se igualam. Cannes tem o charme da praia, do mar mediterrâneo, das celebridades de diversos países, do idioma francês. Mais que isso, o festival tem um dos mais rigorosos processos de seleção do mundo. Então, se um filme está em Cannes, merece ser visto.

Sem contar a variedade de nacionalidades representadas na telona do festival, principalmente na mostra competitiva de curtas-metragem. Em Cannes se fala francês, inglês, alemão, árabe, português... e fala-se de França, de Estados Unidos, de Palestina, de imigrantes, de exploração, de inocência, de loucura, de amor. O mundo se vê representado e se representa na telona.

Depois de praticamente quatro meses sem ir ao cinema, sair de uma sessão e já entrar na seguinte foi como resgatar minha própria alma de volta. Exagero poético com um toque de clichê? Não mesmo. O que me moveu à Cannes é o mesmo que move muita gente: a vontade de conhecer as novidades, o que os principais artistas têm produzido, o que se têm vivido e sobre o que se têm falado no mundo, mas, acima de tudo, o que me moveu à Cannes é o amor pela sétima arte. E ela soube me recompensar apropriadamente. 


domingo, 27 de maio de 2012

Noite de premiação em Cannes.

Cannes, Palais du Festival. Em uma cerimônia que durou um pouco mais de uma hora, foram entregues os principais prêmios da 65ª edição do festival. A chuva não tirou o brilho dos artistas que caminharam pelo tapete vermelho, nem diminuiu o ânimo e a determinação dos fãs que esperavam para vê-los.

A cerimônia foi conduzida por Bérénice Bejo, atriz que esteve em Cannes ano passado apresentando o filme O Artista. Simples e direta, sem as firulas que estamos acostumados a ver na entrega dos Oscars, por exemplo, a noite em Cannes foi de pura celebração do cinema, e da beleza que este traz ao mundo. 

Entre os chamados ao palco para entregar os premios, esteve o brasileiro Cacá Diegues, encarregado de conceder o Cámera D'Or. Em seu pequeno discurso antes de entregar o prêmio de melhor atuação feminina, o ator Alec Baldwin fez piada sobre a sua "noite difícil", tendo que ir a Cannes, vestir um smoking, caminhar pelo tapete vermelho. Audrey Tautou, ao lado de Adrian Brody, lembrou o quanto o festival representa na sua vida e carreira. A essa dupla coube entregar a honraria máxima da noite, a Palma de Ouro.

E o vencedor foi Amour, de Michael Haneke. O filme conta a hostória de um casal de professores de música aposentados, já com seus oitenta e tantos anos, George (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva), que começa a enfrentar os desafios da velhice quando Anne sofre um derrame. Com esta, Haneke soma duas Palmas de Ouro, tendo conquistado a primeira em 2009, por A Fita Branca.


Os premiados da noite.

Palma de Ouro: Amour, Michael Haneke.

Grande Prêmio do Júri: Matteo Garrone, Reality

Atuação Feminina: Cosmina Stratan e Cristina Flutur, Beyond the Hills

Atuação Masculina: Mads Mikkelsen, The Hunt

Melhor Diretor: Carlos Reygadas, Post Tenebras Lux

Melhor Roteiro: Cristian Mungiu, Beyond the Hills

Prêmio do Júri: The Angel's Share, Ken Loach

Camera d'Or: Beasts of the Southern Wild, Benh Zeitlin

Melhor Curta-Metragem: Silence, Seissiz Be-Deng

terça-feira, 15 de maio de 2012

Começa amanhã o 65° Festival de Cinema de Cannes

Quarta-feira, 16 de maio será o marco inicial de mais uma edição de um dos principais eventos do universo cinematográfico. O Festival de Cannes completa 65 anos de muito glamour e de uma influência no cinema equiparável, talvez, somente ao Oscar. 

Conhecido por seus altos critérios de seleção, o festival apresenta diversas mostras: a competição oficial, cujo premio máximo é a Palma de Ouro; Um certo Olhar, que exibe filmes experimentais; Cinefoundation, que apresenta filmes de estudantes de cinema, além de exibições especiais, dos filmes fora de competição e da competição de curtas-metragem. São 12 dias de puro cinema.

Homenageando uma eterna diva.

Marilyn Monroe foi a atriz escolhida para ser o rosto de Cannes este ano, em especial uma imagem sua soprando um vela sobre um bolo de aniversário. O aniversário deste ano para Marilyn, porém, é trágico. Enquanto Cannes celebra 65 anos de nascimento, miss Monroe completa 50 de falecimento. 

                                                


A eterna queridinha da América, contudo, nunca foi ao festival. A Malvada (All About Eve), do qual fazia parte em um papel menor, foi o único de seus filmes apresentados em Cannnes. Ainda assim, o arquivo online do festival a omite dos créditos. 

A semiótica de Marilyn em Cannes é mais complicada e interessante do que qualquer press release implica, como bem explica o artigo de Peter Bradshaw na edição online do jornal The Guardian.

Que a imagem é charmosa e elegante, contudo, não há como negar. 

Os Brasileiros em cannes.

Walter Salles concorre na seleção oficial com On the Road, com Kristen Stewart, Amy Adams, Viggo Mortensen e Kirsten Dunst no elenco. Enquanto isso, Carlos Diegues preside o juri do Caméra d'Or, premio concedido ao melhor filme de estréia de um diretor em Cannes.

Outra brasileira em Cannes? Eu! Somente a partir do dia 24, porém. Difícil saber o que vou assistir, o que vou encontrar, mas o que vier virá e será relatado aqui, é claro.