segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Finalmente, Melancolia.

Depois de muita indignação com circuito comercial brasiliense e de uma tentativa frustrada de assistir ao filme em Porto Alegre, um cavaleiro branco chamado CCBB surgiu e me permitiu assistir a Melancolia, filme mais recente de Lars Von Trier, no Cine Brasília. A mostra CCBB em Cartaz traz a Brasília filmes inéditos, de graça, até o dia 30 de outubro. (programação aqui)


Abertura do filme mostra o planeta Terra flutuando no espaço, pequeno diante de um planeta dez vezes maior que se aproxima. A lenta dança dos astros no espaço se reflete na Terra, onde as personagens do filme são mostradas em seus momentos finais, retratadas de forma belíssima por meio de uma câmera ultra lenta.

Após essa introdução, a primeira parte do filme começa, focada em Justine (Kirsten Dunts), no dia de seu casamento. A noiva, a princípio alegre, entrega-se a uma tristeza que se intensifica ao longo da noite. A festa não a atrai, os esforços dos parentes e do noivo para mantê-la presente e feliz são inúteis. No começo, as fugas de Justine da festa parecem simples distração, depois, parecem propositais. Na segunda parte do filme, Justine revela-se depressiva, e sua atitude esquiva em relação à realidade torna-se uma pesada entrega ao abismo da melancolia.




O casamento de Justine (Kirsten Dunst). O dia mais feliz da vida?
Claire (Charlotte Gainsbourg) é a irmã mais velha de Justine. Devotada à organização e aos rituais da sociedade, é ela quem literalmente carrega Justine quando esta se afunda em sua depressão. Claire, contudo, não compreende como a irmã pode ficar em tal estado, apesar de nunca criticá-la abertamente (a exceção de dois momentos em que diz que às vezes a odeia).

Essa dinâmica reflete o que muitas vezes ocorre na realidade. A depressão é uma doença séria, que leva as pessoas a diversas reações físicas e psicológicas, como uma sensação de tristeza profunda, lentidão, fadiga, além de alterações na capacidade cognitiva, no apetite e no sono. Os que convivem com as vítimas dessa doença tem dificuldade em entender como alguém pode ficar tão triste por tanto tempo, mas a depressão é diferente da tristeza comum, que todas as pessoas sentem de vez em quando. Não é tolice, não é fraqueza, é uma doença que demanda tratamento específico.

Von Trier amplia a situação interna da depressão a uma metáfora de tamanho colossal. No filme, Melancholia é um planeta gigante (pelo menos 5 vezes maior do que a Terra, segundo as imagens mostradas), que está em rota de colisão com a Terra. John (Kiefer Sutherland), marido de Claire, é um aristocrata milionário que passa seus dias observando estrelas e “estudando coisas”, um personagem que me lembrou muito Thomas Edison Jr. (Paul Bettany) em Dogville. John insiste que Malancholia vai apenas passar ao lado da Terra, assim como “todos os cientistas sérios” também prevêem.

John (Kiefer Sutherland), o aristocrata que se refugia na ciência e se esquiva do que está a sua frente.



John representa o ceticismo. Ele também não consegue entender a depressão de Justine, agindo como se aquilo tudo fosse uma grande besteira, um sinal de fraqueza. Durante o casamento, ele afirma que a festa custou-lhe “os olhos da cara”, mas diz não se importar contanto que Justine prometa ser feliz. John é uma pessoa prática, que se agarra à ciência mas se recusa a aceitar o inevitável que se coloca diante dele: tanto a doença da cunhada, quanto um planeta gigante que se aproxima do seu próprio. Ele ri quando Justine telefona para a irmã alegando que não consegue entrar no táxi para sair de casa, assim como ri da esposa, que acredita nas previsões de que Melancholia não vai apenas passar por perto e se afastar.

Claire é a representação da bondade e da piedade. É uma pessoa “normal” (por normal entenda-se não doente) que vê um ente querido piorar constantemente e faz o que está ao seu alcance para ajudar. Ela frustra-se quando seus esforços se provam, a seu ver, em vão. Justine, primeiro, não consegue entrar no banho, mesmo com ajuda, mas no dia seguinte o faz por conta própria. Quando Claire cozinha o prato favorito da irmã, escuta desta que a comida tem gosto de cinzas. No dia seguinte, Claire encontra Justine devorando uma caixa de bombons inteira. Essas alterações de humor irritam Claire, que enxerga em Justine uma pessoa egoísta, ainda que lute contra seus sentimentos negativos em relação à irmã.



As irmãs Claire e Justine: a busca pelo equilíbrio antes que o mundo acabe.

Por fim, Melancholia, o gigantesco planeta azul, representa a própria depressão. Melancholia é a força avassaladora e inevitável que primeiro arrasta consigo o ar, e depois destrói tudo. E a situação das pessoas na Terra, esperando impotentes pelo fim, é a situação de Justine.

Os recursos característicos da linguagem cinematográfica de Lars Von Trier estão todos lá, aliados à tecnologia da câmera lenta e dos efeitos especiais utilizados para criar o fictício planeta gigante. Apesar de ser um filme belíssimo, que abre espaço a muitas reflexões, diferentemente de outros filmes do cineasta, Melancolia não me atingiu como um soco na boca do estômago. Mesmo mostrando, como bem disse Pablo Villaça, que os sofrimentos humanos são inúteis diante da inevitabilidade do fim, o diretor termina o filme de forma positiva. Um filme que, devido a várias cenas da sequencia do casamento, é engraçado, e que termina com uma mensagem de amor mostra, sem duvida, uma faceta diferente de Lars Von Trier.