Com um filme vibrante e surreal,
o diretor Leos Carax inquietou e encantou a Cannes. Mostrando na tela um mundo
único, ele levanta discussões sobre a artificialidade da vida. Holy Motors abre com uma imagem de uma
platéia de cinema, que de certa forma espelha a platéia real que assiste ao
filme e coloca o público na tela.
Após a introdução, vemos o senhor
Oscar (Denis Lavant) sair de sua casa ao amanhecer. Vestindo paletó e gravata e
munido de uma pasta de couro, ele se despede da esposa e dos filhos.
Acompanhado por diversos seguranças, embarca em uma limousine dirigida por sua
motorista e secretária Céline (Édith Scob), que lhe informa que os compromissos
para aquele dia são poucos. A limousine pára debaixo de um viaduto e dela sai
Oscar disfarçado de uma velha mendiga. Após pedir algumas esmolas no centro de
Paris, ele volta a seu veículo, retira o disfarce e a maquiagem e se prepara
para cumprir o próximo item de sua agenda.
Mendigar na pele de uma velha
senhora vestida em trapos é apenas a primeira das muitas esquisitices que Oscar
realiza ao longo de seu dia.
O senhor Oscar (Denis Levant) em sua limousine, onde viaja de um "compromisso" a outro. |
Os compromissos de Oscar.
Em seu segundo compromisso, Oscar
participa de uma gravação em motion
capture. Vestindo uma roupa preta com pontos brancos luminosos, realiza
incríveis acrobacias e simula uma relação sexual com uma mulher que também
veste uma roupa semelhante. A imagem dos dois é imediatamente processada e
utilizada para criar uma segunda imagem de dois monstros draconianos digitais.
A idéia do ser humano como matéria prima de algo monstruoso e bizarro é
assustadora.
Os compromissos que se seguem não
são menos bizarros. Portando unhas falsas amarelas de quase dez centímetros nos
pés e nas mãos, usando uma dentadura que lhe confere assustadores dentes
estragados e falando somente por grunhidos, ele invade uma sessão de fotos para
uma revista de moda e seqüestra a modelo. O fotógrafo quando o vê troca a sua
sofisticada câmera digital por uma antiga máquina analógica e redireciona seu
foco, da modelo - pela qual delira com suspiros e exclamações de “Beleza!
Beleza!” -, para o estranho homem que invade seu set, sempre disparando fotos,
mas agora exclamando “Bizarro! Bizarro!”.
Definir a função do senhor Oscar
não é algo que se pode fazer com menos de uma hora de projeção, se é que pode
chegar a ser feito. Seria ele um ator? Se sim, seu nome não podia ser mais
apropriado. Oscar, bem como o nome da principal premiação do mundo do cinema, é
o nome do meio do diretor do filme. Nascido Alexandre Oscar Dupont, ele adotou
Leos Carax como seu nome artístico. Seria o senhor Oscar um alter-ego de Leos
Carax, realizando nas ruas a arte que o diretor que ver nas telas do cinema?
O senhor Oscar, contudo, é mais
do que um ator. Ele intervém tão fortemente na vida das pessoas ao seu redor que
cria uma nova realidade. Em determinado momentos, ele é um agente do caos, em
outros, uma pessoa normal seguindo com sua vida. É quando ele encontra outras
pessoas com o mesmo tipo de compromissos e funções que o público percebe o
quadro geral do filme.
Totalmente disfarçado, o protagonista assume múltiplas identidades. |
Um mundo artificial.
Em Holy Motors, tudo é montado, não somente pelo senhor Oscar, mas por
outros atores, ou agentes do caos e da vida. Mas tudo é montado para qual
platéia? Há espaço para o público nesse mundo povoado por performáticos? Ou o
público é apenas o que está do outro lado da tela?
A artificialidade do mundo do
filme nos faz pensar sobre a artificialidade do mundo real. Quantas vezes
colocamos máscaras e fantasias para nos relacionarmos com pessoas que, por sua
vez, também vestem suas próprias máscaras e fantasias?
O interessante de Holy Motors é justamente o fato de que
ele traz esses questionamentos sem cair em discursos piegas, politicamente
corretos ou moralizantes. Trata-se de um filme, na falta de melhores palavras,
muito louco, que prende o espectador à tela, ansioso por ver a próxima
insanidade que virá a seguir, mas ao mesmo tempo refletindo sobre sua própria
vida e o mundo que nos cerca. É claro que se trata do tipo de filme de que um pode
tirar praticamente a conclusão que quiser. Trata-se de crítica, de rompimento
com a realidade, de simples insanidade.
Leos Carax entregou à Cannes
exatamente o que se esperava ver no festival: inovação, grandiosidade aliada à
leveza, e uma dose de loucura. Isso fez de seu filme um dos favoritos – apesar
de não vencedor – à Palma de Ouro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário