Quando eu tinha uns doze anos, li
um livro de Maria José Dupré intitulado A
Ilha Perdida, que conta a história de dois meninos que decidem explorar uma
ilha no meio de um rio e lá acabam encontrando um homem barbudo escondido. Jeff
Nichols com seu Mud me fez sentir
como se estivesse assistindo a parte dessa história na telona.
Parte da Mostra Competitiva do
Festival, Mud tem como escritor e
diretor Jeff Nichols, que já havia impressionado Cannes e vencido o prêmio da
semana da crítica do ano passado com o drama O Abrigo (Take Shelter). Muito
menos dramático, mas ainda assim tocante, Mud
é uma história sobre o amor. Mais especificamente sobre a visão masculina dele.
Uma história de amor sob o ponto de vista masculino.
Ellis (Tye Sheridan) e Neckbone
(Jacob Lofland) são dois meninos por volta de seus catorze anos que fazem tudo
juntos. Se comunicando por um rádio, eles acordam cedo e se esgueiram para fora
de suas casas, longe da vista dos pais, para navegar pelo rio Mississipi até
uma ilha isolada pelas águas. Chegando lá, eles encontram um homem misterioso,
esfarrapado e barbudo, de nome Mud (Matthew McConaughey).
Homem de poucas palavras, Mud se
apega à sua pistola e à sua camisa, pois são, segundo ele, a única proteção que
possui em meio ao mato. Com uma tatuagem de cobra no braço, ele assusta o
rapazes à princípio, mas a curiosidade deles faz com que voltem à ilha para
levar-lhe comida, mesmo sem saber o que o homem fez para precisar fugir.
Matthew McConaughey como o misterioso Mud. |
Os garotos descobrem que Mud é
procurado pela polícia e que está escondido na ilha porque matou o homem que
havia machucado o amor de sua vida, a bela Juniper (Reese Witherspoon). Tocado por
sua história e identificando-se com ele, Ellis decide ajudá-lo.
Tanto Mud quanto Ellis são
personagens românticos que vivem com um pé na realidade e outro no mundo da
lua. Devotos aos seus amores, fazem tudo por elas, apesar de não serem
correspondidos à altura. Essa visão essencialmente
masculina acaba por colocar as mulheres um pouco como vilãs. É uma interessante
inversão de papéis. O estereótipo de filme romântico em que o mocinho faz
alguma besteira e depois precisa ser perdoado pela mocinha é completamente
invertido. Dessa vez, são as atitudes das mulheres que precisam da paciência e
do perdão masculino. Os homens à volta delas, apesar de tudo, continuam
românticos, e terminam a projeção como autênticos mártires do amor.
Crescer e conhecer o mundo.
Mud é, sobretudo, um filme sobre perder a inocência e ganhar
conhecimento do mundo. Ter que lidar com a eminente separação de seus pais faz
com que Ellis projete todas as suas esperanças em unir novamente Mud e Juniper,
bem como em conquistar sua própria paixão. Ele percebe, contudo, que a vida
real não funciona como um conto de fadas, e que até mesmo a aparente garota dos
sonhos é apenas humana, com desejos e defeitos como qualquer um.
Ellis (Tye Sheridan) e Neckbone (Jacob Lofland) ajudam Mud. |
Ellis sofre quatro grandes
decepções ao longo do filme, mas aprende que a sensação de ter sido traído não
dura para sempre, e que redenções são possíveis. Apesar de todo o amadurecimento
pelo qual passa, Ellis deixa que seu bom coração sobreviva, sem perder
completamente a capacidade de sonhar, somente trazendo seus sonhos um pouco
mais para perto do chão.
A direção harmônica de Jeff Nichols
Jeff Nichols conduz seu filme com
harmonia e precisão. Auxiliado pela fotografia, cria enquadramentos que
destacam a beleza natural da região à beira do rio Mississipi, no estado do
Arkansas. A atuação cativante que obtém de seus dois protagonistas também
contribui muito para prender a atenção do espectador. A identificação entre
garoto e adulto por vezes faz com que pareçam um a versão passada, outro a
versão futura de uma mesma pessoa.
Encaixando tudo em seu devido
lugar, o diretor constrói um filme organizado e envolvente. (Um grande
parêntesis aqui: talvez a cena de ação do final seja um pouco, mas só um pouco,
desnecessária.) Conclusão: vale a pena esperar para conferi-lo nos cinemas.
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