domingo, 3 de junho de 2012

26/05, uma multiplicidade de pontos de vista - Mud


Quando eu tinha uns doze anos, li um livro de Maria José Dupré intitulado A Ilha Perdida, que conta a história de dois meninos que decidem explorar uma ilha no meio de um rio e lá acabam encontrando um homem barbudo escondido. Jeff Nichols com seu Mud me fez sentir como se estivesse assistindo a parte dessa história na telona.

Parte da Mostra Competitiva do Festival, Mud tem como escritor e diretor Jeff Nichols, que já havia impressionado Cannes e vencido o prêmio da semana da crítica do ano passado com o drama O Abrigo (Take Shelter). Muito menos dramático, mas ainda assim tocante, Mud é uma história sobre o amor. Mais especificamente sobre a visão masculina dele.

Uma história de amor sob o ponto de vista masculino.

Ellis (Tye Sheridan) e Neckbone (Jacob Lofland) são dois meninos por volta de seus catorze anos que fazem tudo juntos. Se comunicando por um rádio, eles acordam cedo e se esgueiram para fora de suas casas, longe da vista dos pais, para navegar pelo rio Mississipi até uma ilha isolada pelas águas. Chegando lá, eles encontram um homem misterioso, esfarrapado e barbudo, de nome Mud (Matthew McConaughey).

Homem de poucas palavras, Mud se apega à sua pistola e à sua camisa, pois são, segundo ele, a única proteção que possui em meio ao mato. Com uma tatuagem de cobra no braço, ele assusta o rapazes à princípio, mas a curiosidade deles faz com que voltem à ilha para levar-lhe comida, mesmo sem saber o que o homem fez para precisar fugir.

Matthew McConaughey como o misterioso Mud.

Os garotos descobrem que Mud é procurado pela polícia e que está escondido na ilha porque matou o homem que havia machucado o amor de sua vida, a bela Juniper (Reese Witherspoon). Tocado por sua história e identificando-se com ele, Ellis decide ajudá-lo.

Tanto Mud quanto Ellis são personagens românticos que vivem com um pé na realidade e outro no mundo da lua. Devotos aos seus amores, fazem tudo por elas, apesar de não serem correspondidos à altura. Essa visão essencialmente masculina acaba por colocar as mulheres um pouco como vilãs. É uma interessante inversão de papéis. O estereótipo de filme romântico em que o mocinho faz alguma besteira e depois precisa ser perdoado pela mocinha é completamente invertido. Dessa vez, são as atitudes das mulheres que precisam da paciência e do perdão masculino. Os homens à volta delas, apesar de tudo, continuam românticos, e terminam a projeção como autênticos mártires do amor.

Crescer e conhecer o mundo.

Mud é, sobretudo, um filme sobre perder a inocência e ganhar conhecimento do mundo. Ter que lidar com a eminente separação de seus pais faz com que Ellis projete todas as suas esperanças em unir novamente Mud e Juniper, bem como em conquistar sua própria paixão. Ele percebe, contudo, que a vida real não funciona como um conto de fadas, e que até mesmo a aparente garota dos sonhos é apenas humana, com desejos e defeitos como qualquer um.

Ellis (Tye Sheridan) e Neckbone (Jacob Lofland) ajudam Mud. 
Ellis sofre quatro grandes decepções ao longo do filme, mas aprende que a sensação de ter sido traído não dura para sempre, e que redenções são possíveis. Apesar de todo o amadurecimento pelo qual passa, Ellis deixa que seu bom coração sobreviva, sem perder completamente a capacidade de sonhar, somente trazendo seus sonhos um pouco mais para perto do chão.

A direção harmônica de Jeff Nichols

Jeff Nichols conduz seu filme com harmonia e precisão. Auxiliado pela fotografia, cria enquadramentos que destacam a beleza natural da região à beira do rio Mississipi, no estado do Arkansas. A atuação cativante que obtém de seus dois protagonistas também contribui muito para prender a atenção do espectador. A identificação entre garoto e adulto por vezes faz com que pareçam um a versão passada, outro a versão futura de uma mesma pessoa.

Encaixando tudo em seu devido lugar, o diretor constrói um filme organizado e envolvente. (Um grande parêntesis aqui: talvez a cena de ação do final seja um pouco, mas só um pouco, desnecessária.) Conclusão: vale a pena esperar para conferi-lo nos cinemas. 

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