domingo, 3 de outubro de 2010

As coisas mais difíceis do mundo

Finalmente criei vergonha na cara e fui assistir ao novo filme da Laís Bodanzky, depois de semanas após semanas prometendo a mim mesma “agora eu vou”. A diretora foi premiada por Bicho de sete cabeças, e apesar de não tê-lo assistido, fiquei curiosa em relação a seu novo trabalho.

As melhores coisas do mundo foi inspirado na série de livros “Mano”, de Gilberto Dimenstein e Heloisa Prieto, mas para calibrar ainda mais o roteiro com a realidade dos adolescentes atuais, Laís e sua equipe realizaram entrevistas em colégios de São Paulo. O resultados positivos ficaram explícitos no festival de Recife, em que o filme foi o grande vencedor, com oito prêmios.

Com 15 anos, Mano (Francisco Miguez) é um garoto de classe média que vê seu mundo se transformar radicalmente a cada dia que passa, com a separação de seus pais, seu interesse não correspondido pela colega Valéria, suas aulas de violão, a atitude depressiva de seu irmão, Pedro (Fiuk), e o dia a dia em uma escola em que os alunos ridicularizam e oprimem uns aos outros. Parece muito para um garoto de 15 anos aguentar, e para um filme de pouco menos de 2 horas abordar? Com certeza. Mas Laís consegue que o peso desses assuntos não sobrecarregue o filme, e, tendo saído da adolescência há pouco, posso dizer que a vida de um garoto de 15 anos é assim mesmo.

E é justamente nessa fase, quando todo e qualquer problema que surge parece ser o fim do mundo, e tudo o que importa é o agora, que os adolescentes são forçados a “crescerem”, mesmo quando não sabem como fazê-lo. Esse é o conflito que move o filme: crescer e tomar sempre a melhor atitute quando você nem ao menos é capaz de controlar o que acontece a sua volta. Todos os que já passaram – ou estão passando – por isso vão se identificar.

Francisco Miguez como o protagonista Mano, e Gabriela Rocha como a meiga Carol.

Considerando a parte técnica, os cortes e transições me chamaram a atenção. Em diversos momentos, a fala de um plano seguinte é ouvida como um off momentâneo, como se um plano “chamasse” o próximo. A fusão da campainha do portão com a campainha da porta, quando Mano visita seu professor de violão pela primeira vez no filme, é um exemplo do tipo de transição que também se repete, em que os planos são interligados por um som em comum.

É fácil entender por quê o filme venceu as categorias de melhor direção, direção de arte, fotografia, roteiro, edição de som, entre outros, em Recife. Além disso, a qualidade do filme me anima em relação ao cinema brasileiro em geral, que parece estar voltando aos seus bons anos. O fato de a realidade de um grupo social nacional poder ser utilizada para a criação de um bom roteiro nos mostra que não precisamos seguir temáticas ou padrões estrangeiros na realização de um cinema próprio de qualidade. Eu sou uma entusiasta da velha “antropofagia cultural”, acho que devemos estar atentos ao que acontece em outros países e aproveitar o que há de melhor, mas também acredito que a nossa realidade deve ser valorizada, e para isso, filmes como As melhores coisas do mundo são um excelente impulso.

De certa forma, o cinema brasileiro é como Mano: precisa encontrar seu caminho em um mundo onde ele não escreve as regras. As conquistas, assim como é mostrado no filme, vem da superação dos obstáculos, mesmo que esses pareçam ser os mais difíceis do mundo.

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