A relação
entre cinema e televisão vem se modificando e se adaptando desde que
os meios passaram a coexistir, a partir da segunda metade da década
de 1930. A princípio, os estúdios cinematográficos renegaram a
televisão, rotulando-a como uma novidade passageira, mas no fundo
tinham receio de perder seu espaço no mercado do entretenimento.
Quem gostaria de sair para ir ao cinema quando poderia ficar em casa
assistindo a programação gratuita na TV? Para combater esse
concorrente, os estúdios se recusaram a vender seus filmes para
compor as programações dos canais. Com o tempo, a mentalidade
mudou, e muitos perceberam que não apenas vender seus filmes, mas
também possuir seus próprios canais, poderia ser sua salvação.
O cinema
definitivamente não morreu com o advento da televisão, mas sua
lucratividade certamente diminuiu. Atualmente, são raros os filmes
que saem do vermelho apenas com a projeção cinematográfica; é a
vida de um filme após o circuito de cinemas que o salva da
bancarrota: DVDs, video on demand (VOD)
e exibições na televisão. A programação dos canais televisivos,
contudo, tem se tornado mais sofisticada e atraído mais público. O
equilíbrio conquistado com a cooperação está mudando
gradativamente, com a balança pendendo para a televisão e com o
cinema sofrendo sua maior ameaça desde a invenção desta.
Mudança
de padrões e de comportamento
Diversos
fatores podem ser apontados para explicar a preferência do público
pela televisão em detrimento do cinema. Aparelhos cada vez maiores e
com melhor qualidade de imagem a um menor preço contribuem, o fato
de uma entrada de cinema custar em torno de dez dólares (ou mais,
dificilmente menos), também. No Brasil ainda podemos contar com a
meia entrada estudantil, entre outros benefícios; nos Estados
Unidos, a meia entrada fica a critério do cinema, que pode ofertá-la
em apenas um dia da semana, ou definitivamente não tê-la.
Além
do custo, o “ritual” de se assistir a algo em casa é diferente
de no cinema. Em casa é possível tirar os sapatos, aumentar ou
abaixar o volume, conversar ou atender o telefone durante
programação. No entanto, o advento que revolucionou a televisão
nos últimos anos foi a possibilidade de pausar a programação e
recomeçá-la quando conveniente, como permitem alguns provedores de TV
a cabo e sistemas como Netflix, Hulu e Amazon. Estes últimos
saltaram mais um passo a frente: permitiram ao usuário escolher sua
programação a seu bel-prazer, com milhares de filmes e seriados
disponíveis sem a necessidade de se deslocar até a locadora ou
depender da programação dos canais.
A
mudança do formato, porém, não é a única responsável pela
mudança do comportamento. O conteúdo dos programas de televisão,
em especial os seriados, vem se tornando cada vez melhores e atraindo
cada vez mais fãs que, com a possibilidade de assistirem a
temporadas seguidas no Netflix, se tornam verdadeiros “viciados”.
O
ritmo rápido das séries de TV, que apesar de se arrastarem por anos,
temporada após temporada, ainda precisam apresentar em cada episódio
um enredo com inicio, meio e fim, e com momentos de virada dramática
e clímax, cativa o espectador. Enquanto um filme consiste em
aproximadamente duas horas de uma única historia que ao terminar não
permite ao espectador continuar seguindo aqueles personagens, a série
de TV apresenta em cada episódio uma historia acabada, mas que
pertence a um universo maior do que o que cabe em um filme, e que é
construído de pedaços coletados aos poucos. A série de TV precisa
cativar novamente o espectador e deixa-lo querendo mais a cada
episódio, e isso requer um esforço extra que, quando bem-feito, é
certamente apreciado.
Aaron Paul e Bryan Cranston em Breaking Bad, série que atingiu 10.3 milhões de espectadores em seu último episódio. |
Intercâmbio
entre Cinema e TV
Não
são apenas os usuários que estão preferindo a televisão, muitos
profissionais já renomados no cinema vem diversificando seu trabalho
para abranger também a telinha. Entre eles temos Martin Scorsese,
que é produtor de Boardwalk Empire,
além de ter dirigido um episódio da série; Robert Rodriguez, que
adaptou para a TV seu filme From Dusk Till Dawn
em formato de série, e já fala também em uma versão seriada de Sin
City; e os atores John
Malkovich, atuando em Crossbones,
Eva Green, em Penny Dreadful,
e Halle Berry, em Extant,
entre outros. Se antigamente ser um ator de televisão era
considerado um trabalho de segunda categoria, esse pensamento com
certeza está mudando.
No
entanto, em se tratando de diversificar sua área de atuação
ninguém bate Steven Spielberg. Adiantado, ele já vem empregando seu
nome a produções televisivas há mais de vinte anos, tendo
recentemente produzido The Pacific,
United States of Tara,
Smash, Falling
Skies e Under the
Dome, entre outros. O mais novo
lançamento televisivo com a marca Steven Spielberg de produção é
Red Band Society, um
drama sobre a vida de adolescentes que vivem em um hospital, com
estreia prevista para setembro nos EUA.
Game of Thrones: o sucesso que trouxe milhares de assinantes à HBO. |
Um
pouco de matemática financeira ajuda a explicar o crescimento da
televisão. Cada episódio de Game of Thrones,
por exemplo, custa entre $6 e $10 milhões, o que deixa o custo por
temporada na casa dos $100 milhões de dólares, o que é considerado
altíssimo em termos de televisão. O orçamento de O
Grande Gatsby (2013), de Baz
Luhrmann, foi de $105 milhões de dólares, o que para Hollywood é
considerado normal. Em se tratando de cinema, porém, ainda é preciso
acrescentar os custos com marketing e distribuição, que para um
filme desse escopo não ficam por menos de $50 milhões. Sendo assim,
para ser lucrativo, O Grande Gatsby
precisaria arrecadar mais de $150 milhões. O acordo dos estúdios
com as cadeias de cinema gira em torno dos 50%, ou seja, metade do
arrecadado em bilheteria fica para os cinemas, metade retorna para o
estúdio. Para pagar seus custos de produção, portanto, o filme
precisaria de uma bilheteria na casa dos $300 milhões. Acabou
atingindo $350, o que a grosso modo significa um retorno de $25
milhões para o estúdio, que ainda precisa distribuir esse montante
entre seus investidores.
A
HBO, por outro lado, precisa conquistar e manter assinantes. Ao
investir em uma programação de qualidade, da qual Game of
Thrones é o seriado mais
assistido, o canal conseguiu atingir a marca de 40 milhões de
clientes, que pagam cerca de $10 dólares por mês pelo serviço,
gerando um ganho mensal de $400 milhões de dólares. Custos
operacionais e de marketing à parte, o fluxo de capital é imenso.
Por
fazer parte dos canais chamados “prime cable”, a HBO é mais
exceção do que regra, mas acaba servindo para ilustrar a tendência
da produção televisiva americana: mais dinheiro investido e mais
qualidade de programação. Os canais abertos dos EUA, como a CBS,
que produz NCIS e
Under the Dome, e a
NBC, com Crossbones e
Hannibal, estão
buscando “qualidade HBO” para poderem competir com a TV a cabo.
Amazon e Netflix também tem investido na criação de conteúdo
original, priorizando o formato TV perante o formato filme.
Com
uma dificuldade cada vez maior dos estúdios em recuperarem o
dinheiro investido em filmes, e com as produtoras de televisão
mirando em uma qualidade mais cinematográfica (em cenários,
figurinos, atuação, iluminação, direção, etc), e recebendo um
alto lucro como conseqüência, a industria do cinema se vê mais
ameaçada pela televisão do que nunca.
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