Chegando lá.
Eu não esperava ir a Cannes. Queria,
e muito, mas não esperava que acontecesse tão cedo. Quando a minha amiga Malu Sá
disse que era possível se inscrever, resolvi que valia mais do que a pena
tentar. Como estou morando em Sevilla, Espanha, desde fevereiro, ir visitar a
Riviera Francesa em maio não parecia um sonho assim muito impossível de se
realizar. Olhei o regulamento no site, juntei os documentos e enviei, ainda
assim sem muita esperança de que fosse dar certo. Quem não arrisca não petisca,
esse é a grande verdade brasileira da vida.
A confirmação de que eu receberia
uma credencial chegou, e com isso o que era apenas uma vaga esperança se
transformou em muita empolgação e preparativos: passagens, hotel, roupas... A
data escolhida foi de 24 a 27 de maio, os últimos quatro dias, já que por
motivos de compromisso com a universidade seria impraticável participar das
duas semanas inteiras de festival.
Sem saber exatamente o que
conseguiria ver, mas disposta a aproveitar ao máximo todas as oportunidades,
parti. Com a companhia da Malu, sem a qual nada disso teria sido possível, cheguei
a uma cidade pequena, mas que fica gigante aos olhos do mundo quando os holofotes do
festival se acendem. A cidade fica cheia de cineastas, atores, jornalistas,
fotógrafos, cinéfilos e turistas, famosos e anônimos.
De fila em fila.
Primeira etapa: credenciamento.
Depois de perguntar a algumas pessoas, procurar aqui e ali, encontrei o local
certo e peguei minha credencial. No horário que eu fui não tinha fila, ainda
bem. O problema foi demorar a entender o funcionamento do festival, saber em quais
projeções a prioridade era de quem tinha convite, e em quais a prioridade era
de quem, como eu, tinha crachá. Isso foi algo que descobri ao longo dos dias.
Com ou sem prioridade, a primeira
certeza do festival é: você vai enfrentar filas. Filas que, dependendo do
teatro e do filme, são de mais de uma hora, no sol. A não ser que você seja
alguém muito importante, é claro. E é preciso ter cuidado, porque as filas são
largas e tem gente que vai se encostando e fura mesmo. Os teatros são grandes,
e a visão da tela é boa praticamente de qualquer lugar, mas ainda assim não é
legal ver alguém querendo dar uma de malandro e passando na sua frente.
O Festival tem muitas mostras,
exibidas em diferentes salas. Há a competição oficial, a seleção fora de
competição, a mostra um certo olhar,
a competição de curtas-metragem... o que nos leva à segunda certeza do
festival: não se pode ver tudo. Ter um bom conhecimento da programação e habilidade
seletiva é essencial.
Uma pessoa que me ajudou a
entender um pouco do complexo funcionamento de um festival tão grande foi o
Paulo, o segurança português que conheci graças ao meu sobrenome
brasileiríssimo escrito em letras garrafais no crachá. Encontrar pessoas de
diversos lugares e conversar, estabelecer contatos, esse era um dos meus
objetivos em Cannes. Paulo foi apenas o primeiro de alguns felizes encontros
casuais. Não posso dizer que conheci alguém muito importante, algum figurão de
Hollywood, mas conheci pessoas como eu: que amam cinema e que de alguma forma vivem
dele. Pessoas normais, simpáticas, sonhadoras, de bom papo.
Na hora de conversar vale tudo:
inglês, espanhol, um francês bem básico pronunciado com a maior incerteza do
planeta, mímica... e volta e meia português. “Sou brasileira” é uma frase que
tem um efeito quase mágico nas pessoas, quase um Abracadabra que abre caminho para um sorrisão e muita simpatia. E é
nessa hora que muita gente quer mostrar que sabe um pouco de português, seja
com um “obrigado” ou um “bom dia”, seja cantarolando “ai se eu te pego”, que
(ainda) é sensação por aqui.
:D |
A magia do Festival.
Cannes atrai muita gente. Há quem
vá apenas para fazer turismo, “pegar” uma praia e tentar ver os artistas
famosos desfilarem pelo tapete vermelho. Há que vá vender seus filmes, fazer
negócios. A maioria, contudo, vai ao cinema. É interessante pensar o que leva
alguém a se deslocar a uma cidade, muitas vezes vindo de outro país, simplesmente
para assistir a filmes. Sim, são estréias de filmes, muitos deles premiados
pelo próprio festival ou futuramente premiados em festivais subseqüentes, mas
são filmes que serão lançados nos cinemas, ou pelo menos a maioria será. Então,
de onde surge essa necessidade de ver primeiro? Ou melhor, de ver primeiro em Cannes?
Cannes tem um glamour e um charme
aos quais pouquíssimas outras celebrações do cinema se igualam. Cannes tem o
charme da praia, do mar mediterrâneo, das celebridades de diversos países, do
idioma francês. Mais que isso, o festival tem um dos mais rigorosos processos
de seleção do mundo. Então, se um filme está em Cannes, merece ser visto.
Sem contar a variedade de
nacionalidades representadas na telona do festival, principalmente na mostra
competitiva de curtas-metragem. Em Cannes se fala francês, inglês, alemão, árabe,
português... e fala-se de França, de Estados Unidos, de Palestina, de
imigrantes, de exploração, de inocência, de loucura, de amor. O mundo se vê
representado e se representa na telona.
Depois de praticamente quatro
meses sem ir ao cinema, sair de uma sessão e já entrar na seguinte foi como
resgatar minha própria alma de volta. Exagero poético com um toque de clichê?
Não mesmo. O que me moveu à Cannes é o mesmo que move muita gente: a vontade de
conhecer as novidades, o que os principais artistas têm produzido, o que se têm
vivido e sobre o que se têm falado no mundo, mas, acima de tudo, o que me moveu
à Cannes é o amor pela sétima arte. E ela soube me recompensar apropriadamente.
rê! que máximo!! fico feliz por vc! Ano que vem tentarei!
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