O que define o certo e o errado?
Qual é a linha que separa uma pessoa normal, com seus defeitos e qualidades, de
um babaca completo sem a menor consideração? Esses são alguns dos
questionamentos que propõe o filme da diretora Catherine Corsini, Trois Monde (Três Mundos, em tradução livre), cuja estréia assisti na mostra Um Certo Olhar.
Um grupo de jovens adultos, bem
vestidos, mas visivelmente embriagados, faz brincadeiras perigosas com seus
carros em um estacionamento vazio. A inconseqüência de seus atos imediatamente
instiga a aversão do público. Em seu apartamento, Juliette (Clotilde Hesme)
conversa com o namorado, Frédéric (Laurent Capelluto). Ao aproximar-se da
janela, ela testemunha um atropelamento: o carro dos três jovens, dirigido por
Al (Raphaël Personnaz), se choca com um homem. Os responsáveis fogem e Juliette
presta socorro.
Al trabalha em uma concessionária
de carros e está noivo da filha de seu chefe, Marion (Adèle Haenel). Bem
apessoado e dedicado, é um rapaz que trabalhou toda a sua vida para se tornar
rico e importante. As negociações que faz com seus clientes não são muito
esclarecidas, mas a forma como ele entrega os carros e recebe o pagamento dá a
entender que são negócios escusos. Depois do atropelamento, sua autoconfiança é
abalada. Ele se divide entre a culpa e a pressão por manter o estilo de vida
que conquistou.
Os personagens Juliette (Clotilde Hesme) e Al (Raphaël Personnaz) em cena de Tois Monde. |
A preocupação de Juliette com a
vítima e com sua família, bem como sua indignação pela atitude do motorista que
fugiu, faz com que ela se envolva em uma situação muito mais complexa e
emocionalmente estressante do que ela poderia imaginar a princípio. A esposa da
vítima, Vera (Arta Dobroshi), se apega à sua compaixão, e passa a demandar cada
vez mais a sua presença. É quando Juliette reconhece Al, porém, que ela se
torna definitivamente o ponto de intersecção entre vítima e culpado.
Inicia-se uma interconexão entre
duas realidades completamente distintas, tendo Juliette como ponto em comum. De
um lado, Al: francês, com dinheiro, buscando deixar sua mãe - uma faxineira
aposentada - orgulhosa, mas trabalhando em negócios escusos. Do outro, Vera: imigrante
ilegal, sem dinheiro, com sonhos de uma vida melhor e sofrendo pelo marido.
O filme apresenta o
relacionamento desses três personagens chave, os três mundos do título, como um
relacionamento real entre pessoas normais, cujas vidas se tornaram ligadas por
uma tragédia. Os questionamentos morais são vários. Até que ponto Al é uma boa
pessoa que cometeu um erro, e até que ponto é um babaca influenciável? Sua tentativa
de “indenizar” a viúva de sua vítima, bem como a solidariedade de Juliette, são
realmente atos de auto-expiação, ou se tratam de narcisismo? Trata-se de obter
o perdão do próximo, ou o próprio perdão?
O roteiro é muito bem conduzido
pela diretora, mas a carga dramática não deixa em aberto muitas opções para a
conclusão. Trois Monde é um filme
demasiado próximo da realidade das paixões e dos defeitos humanos, e é isso que
o torna tão interessante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário