domingo, 22 de julho de 2012

BIFF, Retrospectiva Anna Karina – A Religiosa

Filme dirigido por Jacues Rivette, com roteiro adaptado da obra homônima do enciclopedista Denis Diderot, publicada em 1796. Anna Karina interpreta Suzanne, uma moça trancada em um convento contra a sua vontade.

Os créditos de abertura explicam o contexto histórico do livro. Na França de finais do século XVIII, o convento era o destino de muitas jovens sem vocação. Enviadas pelos pais seja para manterem-se virgens até o casamento, seja para não serem uma despesa a mais na casa, as moças não tinham controle algum de seu destino.

A entrada no convento e a resignação.

Suzanne (Anna Karina) é a mais nova de três irmãs. Com as duas mais velhas já casadas, o pai se recusa a gastar dinheiro com o casamento da caçula, e a manda para o convento. A mãe de Suzanne, Madame Simonin (Christiane Lénier), revela a filha que seu pai verdadeiro não é o marido, sendo ela fruto do pecado do adultério. Assim, a mãe lhe pede que a filha “ajude-a a expiar seu pecado”, tornando-se uma boa freira. A jovem ainda é alertada de que não tem direito a herança e que as irmãs não lhe darão nada, pois já são casadas e tem seus próprios filhos para cuidar.

Apesar da já conhecida falta de liberdade das mulheres na época, o egoísmo demonstrado por aqueles que mandam Suzanne para o convento é impressionante. O pai só pensa nas despesas que a filha gera e a mãe a vê como bode expiatório para seu pecado. Na primeira vez que vai proclamar seus votos, Suzanne grita a todos que está ali contra a sua vontade e volta para a casa, mas, sem escolha, acaba mandada novamente para o convento.

Suzanne se prepara para proclamar seus votos.

A primeira Madre Superiora que a recebe é gentil como uma mãe. A consola de uma maneira bastante melodramática e a apóia até a confirmação de seus votos. Resignada, Suzanne passa de noviça à freira, mas afirma não ter lembrança alguma da cerimônia, não tendo agido de livre e espontânea vontade.

As provações de Suzanne

A obrigação de tornar-se freira contra a sua vontade não é a única dificuldade que Suzanne enfrenta. As injustiças que sofre representam as críticas de Diderot à Igreja Católica, mas também podem ser interpretadas como uma crítica à configuração de uma sociedade em que a mulheres sem meios financeiros estão à mercê dos mais fortes.

Após a morte da primeira, uma nova Madre Superiora assume o posto. Ao contrário de amor maternal, a sucessora dispensa a Suzanne apenas antipatia. Assim que encontra um motivo, ela utiliza seus poderes de forma abusiva para humilhar a subordinada. O primeiro “crime” de Suzanne é o de manter uma bíblia pessoal escondida no quarto, o segundo, é a contratação de um advogado para pedir a anulação de seus votos.  Por isso, ela é privada de roupas limpas, de um quarto mobiliado e até mesmo de comida e água. Enfraquecida, suas súplicas quase delirantes por comida são interpretadas como possessão pelo demônio.
É clara a crítica ao fanatismo religioso e ao próprio sistema hierárquico da Igreja, que isolava seus membros e permitia que abusos continuassem até que um julgamento fosse realizado. Um exemplo claro e indignante é a afirmação do advogado de Suzanne de que ele sabe – e não tem como evitar – dos maus-tratos que a jovem sofre nas mãos das companheiras.

Presa no convento contra a sua vontade, Suzanne luta pela liberdade. 

Após ser absolvida das acusações de descumprimento das regras do convento, Suzanne tem a anulação dos votos negada, mas lhe é permitido que mude de ordem. Ela é recebida com alegria e curiosidade pelas novas irmãs, sobretudo pela Madre Superiora. O clima no novo convento é exatamente oposto ao anterior: em lugar de simplicidade e austeridade, as freiras riem como adolescentes e gozam de certos luxos, ostentando inclusive jóias. A principal incentivadora do comportamento relapso das irmãs é a Madre Superiora, que passa a assediar Suzanne. Sem poder agüentar mais, ela foge do convento, apenas para descobrir que o mundo do lado de fora, aquele que tanto sonhou em conhecer, não é nada acolhedor.

As críticas de Diderot .

As críticas elaboradas pelo autor e transmitidas pelo filme muitas. Críticas à Suzanne, que é a representação da mulher da época, sem estudo, ingênua e ignorante, incapaz de sobreviver no mundo sem a tutela dos pais, do marido ou das irmãs do convento.  À sociedade da época, que tratava essas mulheres como objeto e não lhes dava o menor espaço. Por fim, sua crítica mais forte é ao sistema de claustro a que estão submetidas às mulheres no convento. Praticamente excluídas de qualquer contato externo, muitas delas sem vocação, seus pensamentos e ações variam do fanatismo religioso ao desejo lésbico.

Apesar de tudo isso, não se percebe um ataque direto à fé, mas sim ao que os homens fazem dela: instrumento, desculpa, justificativa para os piores atos.


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