ATENÇÃO: esse texto pode conter spoilers. Leia por sua
própria conta e risco.
Escrito pela americana Laurie Boyle Crompton, Blaze – or Love in Time of Supervillains
é um livro sobre crescimento pessoal e descobertas adolescentes, recheado de
referências à histórias em quadrinhos e seus personagens.
Blaze tem dezessete anos, vive com a mãe e o irmão, Josh, de
treze anos. Josh é a estrela de seu time de futebol e Blaze é a responsável por
levá-lo, juntamente com mais três amigos do time, a todos os jogos do
campeonato em sua minivan. O pai de Blaze deixou a família poucos anos antes
para se mudar para Nova Iorque e perseguir seu sonho de ser ator, fazendo com
que a mãe de Blaze precise trabalhar horas extras e com que a própria Blaze
assuma responsabilidades paternas, que além de ser a motorista do seu irmão
incluem fazer o jantar e organizar a casa. Estranhamente, apesar de se cansar
dessa rotina e querer “ter uma vida” para poder sair com os amigos, Blaze não
culpa seu pai pela carga extra de responsabilidades, mas sua mãe. O pai
continua um herói aos olhos dela, especialmente por ser fã de histórias em quadrinhos
– como ela – e ter deixado no porão de casa uma coleção gigantesca de
revistinhas, que remontam até a década de 1960.
Blaze também gosta de desenhar quadrinhos e freqüentemente
trabalha em sua criação, a super-heroína Blazing Goddess, que é um alterego da
própria Blaze. Como toda a adolescente, ela tem uma queda por um garoto bonito
da escola, no caso, Mark, que também é o técnico do time de futebol do irmão. Quando
Mark finalmente percebe Blaze ao lado do campo durante uma partida do time, ela
se sente nas nuvens por finalmente ter a perspectiva de realizar seus sonhos
românticos com ele.
Uma garota muito tonta,
ou apenas uma adolescente normal?
Para os leitores mais velhos, Blaze pode parecer uma garota
extremamente tonta. Ela se apaixona bobamente por um garoto que está claramente
a usando, faz sexo sem estar tomando pílula anticoncepcional e sem usar
preservativo, confiando apenas que o rapaz “vai tirar a tempo” - o que não
elimina a gravidade da falta de preservativo, já que o risco de uma gravidez
ainda é alto, e o risco de uma DST é imenso. Ela não enxerga a falta de caráter
de seu pai, que não apenas se separou de sua esposa, mas também abandonou a
família completamente, nunca mais visitando os filhos e apenas conversando com
eles pelo telefone quando ele precisa de alguma coisa, e não para saber como os
filhos estão, dar apoio ou se mostrar presente.
A verdade é que Blaze é tão tonta quanto qualquer
adolescente. Sim, olhando para trás, os erros da adolescência do leitor podem
ser completamente diferente dos dela, mas estão lá. Quem nunca cometeu uma
burrada fenomenal aos dezesseis/dezessete anos? O importante em Blaze é que ela
aprende com seus erros, por mais raiva que eles façam o leitor passar e a
personagem sofrer.
A preocupação com o
sexo – o arrependimento da primeira vez
Apesar de tonta como
toda a adolescente, Blaze demonstra uma preocupação exagerada com sexo. Ela se
auto-intitula a “Garota Super Virgem” e parece ansiosa para deixar o estigma da
virgindade para trás. Ela não tem grandes fantasias românticas para sua
primeira vez, tratando o assunto mais como um quesito social no qual ela está
atrasada, como alguém que atingiu a idade legal para dirigir, mas ainda não
tirou a carteira de motorista, e vê todos os amigos guiando carros pelas ruas enquanto
precisa andar a pé.
Independente de como a perda da virgindade seja encarada,
Blaze é como muitas adolescentes: tem a primeira relação sexual por impulso e
posteriormente se arrepende. Blaze é uma personagem que sintetiza os
arrependimentos mais comuns das adolescentes em relação à primeira relação
sexual:
- O parceiro: Mark finge estar interessado nela, mas não tem
o mínimo de respeito pela garota – e até mesmo de amor-próprio – para se dar ao
trabalho de usar um preservativo. Em seguida, ele simplesmente a ignora,
deixando-a de coração partido e provando que somente queria usá-la. Em resumo, um verdadeiro babaca;
- O local: Blaze tem sua primeira vez com Mark no banco de
trás de sua minivan, estacionada ao lado de um campo de milho. É comum meninas
se arrependerem por “locais improvisados”.
- O momento: Blaze decide perder sua virgindade em um
momento de pura empolgação hormonal, já que os beijos do rapaz são incríveis, e
a sessão de amassos é obviamente excitante. Além do que, há a pressão social para que ela
deixe de ser uma garota “virgem e sem-graça”. Ter uma relação sexual inspirada
por pura excitação e hormônios é algo a que qualquer ser humano está sujeito,
mas que também inspira muito arrependimento.
- A falta de preservativo: com a empolgação hormonal falando
mais alto, Mark não usa preservativo e Blaze não encontra força de vontade
dentro de si para questioná-lo.
A verdade é que esses arrependimentos são em grande parte
motivados pela visão que se tem da sexualidade feminina. É recente, em termos
históricos, a liberdade sexual da mulher, em que o fato de uma mulher não se
manter virgem até o altar não é mais motivo de revolta (em grande parte do
mundo ocidental, pelo menos). Ainda assim, a perda da virgindade feminina ainda
é observada sob uma ótica de quase misticismo. O estigma de que “a primeira vez”
deve ser especial, com alguém que se ama, ou perfeitamente romântica ainda
assombra a muitas garotas. E assombra porque é muito difícil de se realizar.
Para não serem assombradas pelo arrependimento de não terem
esperado um garoto próximo a um príncipe encantado em uma cama com lençóis de
seda e pétalas de rosas para perderem sua virgindade, as garotas precisam ser
incentivadas (mais do que ensinadas) a somente fazerem sexo quando estiverem
prontas e seguras de si, sempre com preservativo, e que hormônios são difíceis
de resistir, mas que um pouco de força de vontade para parar e refletir se os
dois primeiros quesitos estão sendo seguidos antes de continuar é necessária. E
por último, e mais importante, é preciso que as mulheres parem de julgarem umas
às outras – e a si mesmas – vadias por decidirem fazer sexo pela primeira vez.
Bullyng ao vivo e
virtual
Para tentar “acelerar” a relação entre Blaze e Mark, a amiga
de Blaze, Amanda, consegue tirar uma foto da garota de sutiã e enviá-la para o
celular do garoto. Blaze, a princípio, se irrita com a atitude da amiga, mas
logo a perdoa ao ver a atenção que Mark dá à foto. Quando Mark vira as costas
para Blaze e ela vinga seu coração partido, porém, o garoto divulga a foto
seminua dela na internet. O efeito de tal divulgação é o mesmo que infelizmente
temos visto em quantidade na vida real recentemente: a garota é xingada por
conhecidos, desconhecidos e anônimos de “vadia” e outras coisas do mesmo calão.
O inferno de Blaze se completa quando ela passa a ser xingada nos corredores da
escola, diariamente, além de ouvir propostas indecentes de praticamente todos
os rapazes ao seu redor.
O que acontece com Blaze é revoltante, principalmente ao se
ver que a escola não toma nenhuma providencia séria contra os geradores e os perpetuadores
do bullyng, e que a própria Blaze desiste de processar Mark. A decisão de não
mostrar conseqüências aos agressores, apenas à agredida, além do sentimento de
impotência da última, é uma abordagem interessante por parte da autora. É o
modo de Crompton demonstrar o mundo cruel em que vivemos, deixando o leitor com
um gosto amargo de injustiça ao ler o livro, e não escondendo o fato de que
crimes como esse nem sempre recebem a punição que deveriam. A história de Blaze
serve como denúncia ao que acontece com muitas garotas, e que sirva de exemplo
para que as medidas corretivas (e, principalmente, preventivas) à esse tipo de
atitudes, inexistentes no livro, sejam aplicadas na vida real.
Crescer é sofrer, e
vice-versa
A história de Blaze é a história de uma adolescente tendo
suas ilusões quebradas pela primeira vez, sofrendo – e aprendendo – com isso. Seja
a ilusão de que Mark gosta genuinamente dela, seja a ilusão de que seu pai é um
cara legal, todas elas se partem em seu devido tempo. Ela aprende a perceber
quem realmente está do seu lado, como seu irmão Josh, estranhamente maduro para
seus treze anos, e quem não está, como a amiga Amanda, mais interessada em se
dar bem do que em ser uma verdadeira amiga.
O tom geral do livro é leve e engraçado, apesar dos momentos
tristes e da temática do bullyng. Alguns personagens secundários poderiam ser
melhor aproveitados, como a avó, que só serve para dar um conselho aleatório: “encontre
a sua voz, Blaze”, e depois perder a importância, se tornando quase
irrelevante. Em geral, o livro entretém e transmite a mensagem a que se propõem.
Apesar das atitudes da personagem principal serem muitas vezes difíceis de
aceitar do ponto de vista de um leitor mais velho, a obra é interessante para
provocar debates entre o público a que se destina, abordando temas atuais e
complexos.
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